FRANCHISING – A LEI 8.955/94 EM VIGOR NO BRASIL É SUFICIENTE PARA REGULAR A RELAÇÃO ENTRE FRANQUEADOR E FRANQUEADO?
Antes de a Lei de Franquia (Lei nº 8.955/94) adotada atualmente pelo Brasil entrar em vigor, não existia nenhuma legislação específica reguladora desse setor, de modo que o Poder Judiciário tinha de buscar solucionar os conflitos existentes nesse tipo de negócio à luz do Código Civil de 1916 que vigorava à época, de outras leis nacionais esparsas e do direito comparado.
Por conta disso, não é difícil imaginar as inúmeras injustiças cometidas pelos empresários que se aventuraram à época em investir nessa área, na medida em que o desenvolvimento do franchising no Brasil se iniciou com empresas franqueadoras estrangeiras que procuraram fincar suas raízes no território nacional de forma totalmente desordenada e sem projetos consistentes, exatamente no momento em que, para piorar ainda mais esse panorama, o país passava por sérios problemas econômicos.
Diante desse cenário desfavorável, surgiu a Lei 8.955/94 que, apesar de atualmente estar em pleno vigor, nunca foi suficiente para regular de forma adequada o franchising no Brasil, especialmente o relacionamento entre franqueador e franqueado, conforme se explica adiante.
É verdade que, por força da Lei 8.955/94 ainda em vigor, os termos gerais do instituto de franquia empresarial foram bem delineados e as empresas franqueadoras têm hoje de apresentar, obrigatoriamente, aos potenciais franqueados a COF (Circular de Oferta de Franquia), documento esse que dá ao candidato o prazo mínimo de 10 (dez) dias para análise de todas as informações pertinentes ao negócio que ele deseja ingressar, ainda antes de assinar ou pagar qualquer taxa à empresa franqueadora.
Tudo isso, realmente afugentou as empresas franqueadoras desonestas que apenas objetivavam vender franquias, arrecadando com essa manobra imensuráveis somas em dinheiro, sem dar depois qualquer estrutura e suporte aos seus franqueados, deixando-os à própria sorte.
Contudo, a Lei 8.955/1994 não traz em seu bojo regras que enfrentem de maneira detalhada o contrato de franchising, tratando-se, portanto, a relação de franquia de um ajuste contratual tecnicamente denominado de “atípico”, ou seja, sem uma lei específica que o regule de maneira eficaz.
Perante esse problema estrutural, os mais renomados juristas e os tribunais nacionais já há muito tempo, ainda com mais força após o surgimento do novo Código Civil hoje vigente (Lei 10.406/2002), consolidaram o entendimento de que os princípios gerais do direito civil devem servir como parâmetros para interpretação de todo e qualquer contrato de franquia, fixando-se, dessa forma, as regras básicas a serem aplicadas nesse campo.
E não há de se cogitar na aplicação do CDC (Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.087/90) na relação contratual de franchising, pois também já está sedimentado no sistema jurídico pátrio que o franqueado não é consumidor por duas razões simples: (i) o franqueado não se enquadra no conceito legal de consumidor, e; (ii) a vulnerabilidade não se caracteriza quando existe uma lei que define as obrigações do franqueador para a concessão de uma franquia.
De fato, o vínculo empresarial que reveste a relação entre franqueador e franqueado denota características bem diferentes daquelas formadas na relação entre fornecedor e consumidor, motivo pelo qual o franqueado que pretenda ingressar em uma rede de franquia deve estar bem consciente de que o contrato a ser assinado representa um negócio jurídico exclusivamente entre empresários.
É inegável que a proteção prevista aos contratantes na Lei 8.955/1994, tanto na celebração quanto no cumprimento do contrato, evita a prática de abusos de parte a parte. No entanto, essa legislação, por ser defeituosa, não torna o contrato de franquia um documento vão, sem qualquer relevância jurídica. Ao contrário, as disposições estabelecidas no contrato de franquia, por conta dessa situação, ganham demasiada força e acabam, na verdade, ditando toda a relação empresarial mantida entre as partes, dentro obviamente dos limites legais.
Logo, mesmo não se aplicando ao contrato de franquia as regras do CDC e sendo imperfeita a Lei 8.955/1994, ainda assim não será lícita qualquer atitude ou cláusula contratual que viole os princípios gerais estabelecidos no Código Civil vigente, ou que represente abuso do poder econômico de uma parte em detrimento da outra mais frágil da relação, geralmente o franqueado.
Como as partes devem, então, reportarem-se ao atual Código Civil para identificarem todas as nuances jurídicas decorrentes de um contrato de franquia, é evidente que alcança especial destaque nessa relação o princípio da boa-fé objetiva e o novo dogma da função social do contrato.
Desse modo, no relacionamento entre franqueador e franqueado o princípio da boa-fé contratual e a necessidade de o contrato cumprir com sua função social deverão sempre fazer parte da intenção dos contratantes, os quais necessariamente terão de observá-los ao cumprir suas obrigações contratuais, sem perderem de vista a essência do negócio celebrado e a esfera econômica e social que o estiver cercando, inclusive na fase pós-contratual quando a avença já tiver sido extinta, ou encerrada, por ambas, ou qualquer uma das partes.
Por fim, é bom lembrar que já existe um novo projeto de lei que pretende tornar o modelo de franquia mais seguro, qual seja, o Projeto de Lei 4319/08 que ainda se encontra em votação nas Casas que compõem o Congresso Nacional e não tem previsão de ser definitivamente aprovado, depois sancionado pela presidente e publicado no Diário Oficial para daí então passar a valer.
Essa proposta de nova lei, decorrente do processo natural de evolução do franchising e da economia no Brasil, propõe a modificação de alguns itens essenciais visando a modernização do setor, destacando-se, a título de exemplo, o fato de que pela lei em vigor (Lei 8.955/94) um negócio pode logo após a sua inauguração se transformar em franquia, enquanto que pelo novo projeto legal um negócio somente poderá se tornar uma franquia depois de no mínimo 2 (dois) anos de funcionamento, o que certamente protegerá muito mais as duas partes contratantes, a saber, de um lado os franqueadores sérios que na hora de venderem suas franquias não concorrerão com empresas sem qualquer experiência no ramo, e de outro os franqueados que dificilmente ingressarão, ou permanecerão, em redes de franquias desonestas que oferecem negócios sem estrutura adequada e tempo de maturação satisfatório para aumentar as chances de sucesso em seus mercados de atuação.
Entretanto, até que surja uma nova lei de franquia realmente capaz de eliminar todas as dificuldades que ainda afligem os participantes dessa espécie de negócio, regulando-o de modo bem mais específico, estes ainda terão de se valer das disposições genéricas contidas no grandioso Código Civil vigente e na incompleta e atual Lei 8.955/94.
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Daniel Dezontini (daniel@dezontiniadvogados.com.br), advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados (www.dezontiniadvogados.com.br), com ampla experiência na área de franchising e de locações de espaços comerciais em shopping centers.
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